a irmandade da cueca

Porquê que se diz um par de cuecas se ela é só uma? Não sei, talvez porque é sempre bom partilhar as coisas, mesmo as mais intímas... Mas como não há longe sem distância, e esta última existe, criamos aqui uma tertúlia virtual, em que os km não têm lugar e que por meias, completas ou ausentes palavras contamos o que nos vai na alma ou que simplesmente vai.

terça-feira, novembro 07, 2006

Coração de chocolate

Há muitos anos atrás um rapazinho da província veio assentar arraias na capital. Através de um companheiro de trabalho, acabou por ir parar à pensão da D.Rosa, situada perto da baixa lisboeta. Com o passar do tempo e convivência, acabou por confessar à D. Rosa, a paixão que nutria pela moça da fotografia na sala de estar, sua sobrinha. Vendo a honestidade e veracidade dos sentimentos do rapaz, D. Rosa depressa arranjou forma de os dois se conhecerem, primeiro através de carta e mais tarde, através de um encontro, perfeitamente familiar em que em nenhum momento os dois ficaram sozinhos. Ora por carta, por telefone ou visita, entre os dois as coisas foram aquecendo e uns meses mais tardes, a igreja tocava os sinos a celebrar a sua união. D. Rosa sorria, feliz por ter sido o início destes 2 que agora eram 1.

Eu tinha uma tia-avó da qual tinha medo. A ti Rosa tinha uma voz de trovão e um corpo imponentemente redondo, com o qual eu “gozava”, às escondidas, a dizer que ela não passava nas escadas da torre do Bom Jesus de Braga. Lembro-me sempre de ir, um pouco arrastada mas com olhos postos na recompensa, visitá-la, numa altura em que as visitas à família eram obrigatórias e corriqueiras, e lá ficava eu, na sala, à espera que a conversa entre ela e a minha mãe terminasse. Às vezes tinha a companhia da neta dela, minha prima, com a qual não me dava muito bem, na altura, mas que era melhor que nada e sempre nos entretínhamos uma à outra, outra vezes não, ia só para a varanda a ver quem passava na rua e a contar os segundos para a abertura da gruta de Aladino. Nesta gruta que era o armário da sala, as palavras mágicas eram os dedos da minha tia a girar a chave e , para meu gáudio, abria-se perante mim inúmeras prateleiras (na realidade deviam ser só 1 ou 2) onde a minha tia acumulava bombons, rebuçados, chocolates e outras iguarias, que me faziam aguentar estoicamente as visitas à casa dela. De todas as vezes e como recompensa final ela dava-me uns maravilhosos corações de chocolate embrulhados em papel lilás, que me faziam lamber os dedos e prometer-lhe que voltaria em breve à casa dela. É, desde pequenina que aprendi que tudo tinha um preço e, sim, aqueles corações de chocolate mereciam todas as horas daquela visita.

No Domingo passado o armário da sala perdeu a chave que lhe abria a porta e eu “ganhei” uma viagem ao passado e à infância, à memória das coisas simples que nos marcam, um trovão com coração de chocolate.

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