a irmandade da cueca

Porquê que se diz um par de cuecas se ela é só uma? Não sei, talvez porque é sempre bom partilhar as coisas, mesmo as mais intímas... Mas como não há longe sem distância, e esta última existe, criamos aqui uma tertúlia virtual, em que os km não têm lugar e que por meias, completas ou ausentes palavras contamos o que nos vai na alma ou que simplesmente vai.

quarta-feira, janeiro 31, 2007

O porvir...

Indecentemente "roubado" daqui.

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanha...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública para amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...

Adiamento, de Álvaro de Campos

2 Comments:

  • At fevereiro 02, 2007 4:06 da tarde, Blogger Sister San said…

    Desculpa não ter comentado, mas tenho de porvir tanat coisa que às vezes fica o resto todo para trás...

     
  • At fevereiro 02, 2007 5:00 da tarde, Blogger Sister Meg said…

    Como diz a canção: deixa lá, não ligues a coisas de nada, não faças da vida enxada, a cavar em pedra dura...
    Todos temos os nossos "porvires" ; )
    E também, ninguém disse que é obrigatório comentar sempre.
    Beijo.

     

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